Todo dia 29 de setembro, desde 2009, no dia internacional de conscientização sobre a doença de Alzheimer, a Alzheimer’s Disease International (ADI) divulga um relatório com informações relevantes e atualizadas sobre temas em torno da demência. Esse relatório é aguardado ansiosamente por profissionais que trabalham na área, já que é desenvolvido por grandes estudiosos do assunto. Neste ano de 2020, a ADI nos trouxe a reflexão sobre como nosso lar pode ser um grande aliado não farmacológico nos cuidados com essa doença. O tema foi “Design, Dignidade e Demência: design e construções relacionadas à demência”. E nós não poderíamos ter ficado mais felizes!!
Esse extenso relatório, de dois volumes de 250 páginas cada, fala da importância em haver ambientes que sejam amigáveis às pessoas portadoras da doença de Alzheimer (DA) e como um ambiente com um design bem aplicado pode ter grandes impactos na redução de agitação, ansiedade, conflito, confusão e depressão, ao mesmo tempo em que melhora a orientação, sensações de prazer, mobilidade e todas as atividades de vida diária.
Mas o que seria um design amigável à pessoas portadoras de DA? Bem, é um design com uma abordagem inclusiva, que considera o declínio cognitivo ao mesmo tempo em que olha para as mudanças naturais vindas com a idade, como fragilidade física, mobilidade, declínio da visão, perda auditiva e dificuldades no ciclo circadiano. Basicamente, é um design que olha para o ser humano que irá utilizá-lo a fim de promover uma vida com mais segurança e independência, ao mesmo tempo mantendo a sua identidade e seu estilo de vida. Bem de acordo com o que a LAR.i pensa e aplica em seus projetos.
Esse relatório nos lembra de que a melhor maneira de intervir no lar do portador da DA é modificar o mínimo pelo maior tempo possível. Assim, a pessoa pode aproveitar a relação de toda a sua história de vida com o seu ambientes doméstico, apesar dos problemas vindos com a demência.
A ADI nos dá algumas dicas práticas, que estão divididas em oito itens que vamos discutir seguir. Mas, antes de começarmos essa discussão, é muito importante saber que nenhuma única solução de design irá funcionar com todas as pessoas, já que pessoas diferentes precisarão de abordagens personalizadas e soluções distintas. Além disso, precisamos ter em mente que a experiência de estar no próprio lar não pode ser reduzida com a implementação e ênfase nos aspectos de acessibilidade e funcionalidade. Mas vamos entrar em maiores detalhes sobre isso em cada item a seguir.
1- Discretamente reduzir riscos:
A redução de riscos de acidente é o primeiro ponto, e talvez o mais importante. As mudanças sugeridas são basicamente as mesmas para qualquer lar onde resida uma pessoa idosa, como por exemplo, a eliminação imediata de degraus. Ou, se a pessoa vive em uma casa com mais de um andar, mudar o quarto e o banheiro dessa pessoa para o piso térreo.
Outro ponto é a simples organização dos espaços. Tirar itens desnecessários do caminho e organizar um local para cada item, inclusive para a cadeira de rodas ou outros dispositivos, ajuda não só a eliminar risco de tropeços e quedas, como também reduz confusão e melhora a vida do cuidador. No entanto, somos alertados que mudanças maiores devem ser feitas na fase inicial da doença, de modo a não gerar confusão para a pessoa vivendo com demência. Já mudanças menores dentro do lar podem ser realizadas com a mudança das necessidades da pessoa.
Outro risco abordado brevemente é o de fuga, podendo ser solucionado com alarmes e fechaduras. Mas o relatório enfatiza que riscos de queda e de fuga devem ser tratados com muita seriedade de forma a não parecerem muito óbvios. Afinal, um cadeado aparente, uma cerca imponente ou a remoção de um tapete com significado afetivo pode gerar frustração, agitação e raiva ou apatia e depressão.
2- Promover um ambiente com escala humana:
O segundo ponto levantado é o tamanho do ambiente. A pessoa não deve se sentir intimidada pelo tamanho dos seus arredores ou confrontada por uma variedade muito grande de interações e escolhas. Basicamente, três fatores devem ser levados em consideração: o número de pessoas que essa pessoa encontra, o tamanho total da construção e o tamanho dos quartos, corredores e portas. Tudo isso também está muito relacionado com os itens sobre estímulos, que discutiremos mais a frente.
3- Permitir que veja e seja visto:
É muito importante que as pessoas portadoras de demência possam reconhecer onde elas estão, de onde elas vieram e para onde elas podem ir.
Um lar com um áreas integradas e abertas são boas opções para que cuidadores tenham um controle visual e acústico da pessoa portadora de DA. No entanto, é imprescindível que haja indicações visuais claras das funções e significados de cada área, como, por exemplo, mudança na decoração da cozinha, com fruteiras e livros de receitas. Mas atenção: muito cuidado ao deixar utensílios que possam ser perigosos à mostra, como porta facas ou liquidificador.
O acesso ao banheiro tem que ser fácil e óbvio, além de estar no campo de visão do cuidador, especialmente à noite.
A importância de uma boa iluminação também ajuda nesse item, principalmente quando consideramos o declínio desse sentido na velhice. Deixar uma luz acesa à noite pode ser um aliado para evitar quedas e confusão.
4- Reduzir estímulos desnecessários:
Como a demência reduz a capacidade da pessoa de filtrar estímulos para prestar atenção apenas naqueles que são importantes, o excesso de estímulos pode gerar muito estresse na pessoa vivendo com DA.
Os estímulos auditivos são especialmente importantes, então uma boa acústica é essencial. Ao menos no quarto, remova barulhos externos desagradáveis e reduza ao máximo o impacto do barulho de aparelhos como ar-condicionado e máquinas de lavar.
Estímulos visuais também precisam ser endereçados com a remoção de excesso de quadros e evitando cores de paredes muito contrastantes. Uma observação é de não colocar tapetes escuros em contraste com pisos claros, pois podem dar a impressão de ser um buraco, causando ansiedade.
Um ambiente seguro, calmo e previsível permite que a pessoa portadora de demência possa viver melhor.
5- Otimizar estímulos úteis:
Estímulos úteis podem permitir que a pessoa vivendo com demência veja, ouça ou cheire dicas sobre onde elas estão e onde elas podem ir, ajudando a minimizar a sua confusão e incertezas.
Dicas visuais podem incluir quadros com texto e imagens para indicar qual é o seu quarto e banheiro, um quadro de mensagem para se lembrar de tarefas, um relógio e/ou um grande calendário para dar referência de tempo. Outras dicas são o cheiro de comida sendo feita logo antes das refeições, uma grande janela para uma paisagem verde e uma música que lhe seja agradável.
6- Apoiar o movimento e engajamento:
Caminhadas e acesso a áreas externas seguras, como um quintal, podem trazer grandes benefícios à pessoa vivendo com demência e o design da moradia pode motivar essas atividades. Acesso fácil, caminhos bem definidos e jardins e hortas elevados são uma ótima maneira de estimular a saída para áreas externas seguras.
No entanto, é necessário haver um controle de saída para a rua, principalmente quando a pessoa estiver em uma fase intermediária da evolução da doença. Para isso, além de trancas e alarmes, uma ótima dica é tirar o foco do lado de fora ou até mesmo do portão, voltando a atenção para a área do próprio quintal.
Não podemos nos esquecer que o declínio da mobilidade é algo esperado no progresso da doença de Alzheimer, por isso é preciso realizar modificações que apoiem o movimento constantemente.
7- Criar um espaço familiar:
Uma casa e seus itens representam uma vida inteira de conquistas e experiências e podem ter um impacto muito positivo na qualidade de vida dessa pessoa. Assim, sempre que for realizar mudanças no lar de alguém vivendo com demência, é necessário tomar os devidos cuidados para não neutralizar esse impacto positivo.
Além disso, caso haja a necessidade de mudar para uma casa com mais acessibilidade ou caso seja decidido institucionalizar a pessoa portadora de demência, levar itens pessoais e fotografias é uma importante estratégia para enriquecer esse novo ambiente e trazer familiaridade.
8- Promover vínculos com a comunidade:
Poder viver na própria casa por maior tempo permite com que a pessoa portadora de demência mantenha vínculos sociais com sua comunidade, algo que é muito valorizado e parte essencial para a manutenção do seu senso de identidade. Permitir que essa pessoa possa acenar aos vizinhos ou recebê-los em casa dá uma maior sensação de conexão com a vizinhança.
Nas nossas últimas consideração, lembre-se de envolver ao máximo a pessoa portadora de demência nas decisões das modificações da moradia. Nem sempre será fácil ou até mesmo possível, mas lembremos que a pessoa vivendo com DA tem suas opiniões, emoções e ideias.
Um lar com um design adequado pode dar segurança, conforto e independência para uma pessoa portadora de DA, além de melhorar a qualidade do cuidado e a qualidade de vida do cuidador. O lar pode, assim, ter um significado ainda mais importante para a pessoa vivendo com demência.
Julia Trevisan
MSc em engenharia
Foto: Kari Shea no Unsplash
Referências Bibliográficas:
Alzheimer´s Disease International. World Alzheimer Report 2020. Design, Dignity, Dementia: Dementia-related design and the built environment. Volume 1, Londres, 2020
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