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Foto do escritorJulia Trevisan

Design, Dignidade e Demência

Atualizado: 24 de mai. de 2021

Todo dia 29 de setembro, desde 2009, no dia internacional de conscientização sobre a doença de Alzheimer, a Alzheimer’s Disease International (ADI) divulga um relatório com informações relevantes e atualizadas sobre temas em torno da demência. Esse relatório é aguardado ansiosamente por profissionais que trabalham na área, já que é desenvolvido por grandes estudiosos do assunto. Neste ano de 2020, a ADI nos trouxe a reflexão sobre como nosso lar pode ser um grande aliado não farmacológico nos cuidados com essa doença. O tema foi “Design, Dignidade e Demência: design e construções relacionadas à demência”. E nós não poderíamos ter ficado mais felizes!!


Imagem da capa do Relatório da Alzheimer´s Disease International 2020
Relatório da Alzheimer´s Disease International 2020

Esse extenso relatório, de dois volumes de 250 páginas cada, fala da importância em haver ambientes que sejam amigáveis às pessoas portadoras da doença de Alzheimer (DA) e como um ambiente com um design bem aplicado pode ter grandes impactos na redução de agitação, ansiedade, conflito, confusão e depressão, ao mesmo tempo em que melhora a orientação, sensações de prazer, mobilidade e todas as atividades de vida diária.


Mas o que seria um design amigável à pessoas portadoras de DA? Bem, é um design com uma abordagem inclusiva, que considera o declínio cognitivo ao mesmo tempo em que olha para as mudanças naturais vindas com a idade, como fragilidade física, mobilidade, declínio da visão, perda auditiva e dificuldades no ciclo circadiano. Basicamente, é um design que olha para o ser humano que irá utilizá-lo a fim de promover uma vida com mais segurança e independência, ao mesmo tempo mantendo a sua identidade e seu estilo de vida. Bem de acordo com o que a LAR.i pensa e aplica em seus projetos.


Esse relatório nos lembra de que a melhor maneira de intervir no lar do portador da DA é modificar o mínimo pelo maior tempo possível. Assim, a pessoa pode aproveitar a relação de toda a sua história de vida com o seu ambientes doméstico, apesar dos problemas vindos com a demência.


A ADI nos dá algumas dicas práticas, que estão divididas em oito itens que vamos discutir seguir. Mas, antes de começarmos essa discussão, é muito importante saber que nenhuma única solução de design irá funcionar com todas as pessoas, já que pessoas diferentes precisarão de abordagens personalizadas e soluções distintas. Além disso, precisamos ter em mente que a experiência de estar no próprio lar não pode ser reduzida com a implementação e ênfase nos aspectos de acessibilidade e funcionalidade. Mas vamos entrar em maiores detalhes sobre isso em cada item a seguir.


Estão escritos os 8 Itens abordados no Relatório da ADI 2020
Itens abordados no Relatório da ADI 2020
 

1- Discretamente reduzir riscos:


A redução de riscos de acidente é o primeiro ponto, e talvez o mais importante. As mudanças sugeridas são basicamente as mesmas para qualquer lar onde resida uma pessoa idosa, como por exemplo, a eliminação imediata de degraus. Ou, se a pessoa vive em uma casa com mais de um andar, mudar o quarto e o banheiro dessa pessoa para o piso térreo.


Outro ponto é a simples organização dos espaços. Tirar itens desnecessários do caminho e organizar um local para cada item, inclusive para a cadeira de rodas ou outros dispositivos, ajuda não só a eliminar risco de tropeços e quedas, como também reduz confusão e melhora a vida do cuidador. No entanto, somos alertados que mudanças maiores devem ser feitas na fase inicial da doença, de modo a não gerar confusão para a pessoa vivendo com demência. Já mudanças menores dentro do lar podem ser realizadas com a mudança das necessidades da pessoa.


Outro risco abordado brevemente é o de fuga, podendo ser solucionado com alarmes e fechaduras. Mas o relatório enfatiza que riscos de queda e de fuga devem ser tratados com muita seriedade de forma a não parecerem muito óbvios. Afinal, um cadeado aparente, uma cerca imponente ou a remoção de um tapete com significado afetivo pode gerar frustração, agitação e raiva ou apatia e depressão.

 

2- Promover um ambiente com escala humana:


O segundo ponto levantado é o tamanho do ambiente. A pessoa não deve se sentir intimidada pelo tamanho dos seus arredores ou confrontada por uma variedade muito grande de interações e escolhas. Basicamente, três fatores devem ser levados em consideração: o número de pessoas que essa pessoa encontra, o tamanho total da construção e o tamanho dos quartos, corredores e portas. Tudo isso também está muito relacionado com os itens sobre estímulos, que discutiremos mais a frente.


Foto de uma senhora de costas, caminhando com uma bengala. Ela tem cabelos curtos e grisalhos e veste um vestido de mangas compridas e um calçado aberto no calcanhar
Foto: Freepik
 

3- Permitir que veja e seja visto:


É muito importante que as pessoas portadoras de demência possam reconhecer onde elas estão, de onde elas vieram e para onde elas podem ir.


Um lar com um áreas integradas e abertas são boas opções para que cuidadores tenham um controle visual e acústico da pessoa portadora de DA. No entanto, é imprescindível que haja indicações visuais claras das funções e significados de cada área, como, por exemplo, mudança na decoração da cozinha, com fruteiras e livros de receitas. Mas atenção: muito cuidado ao deixar utensílios que possam ser perigosos à mostra, como porta facas ou liquidificador.


O acesso ao banheiro tem que ser fácil e óbvio, além de estar no campo de visão do cuidador, especialmente à noite.


A importância de uma boa iluminação também ajuda nesse item, principalmente quando consideramos o declínio desse sentido na velhice. Deixar uma luz acesa à noite pode ser um aliado para evitar quedas e confusão.


Foto de uma cozinha com armários brancos e bancada de pedra cinza.
Foto: Jason Briscoe no Unsplash
 

4- Reduzir estímulos desnecessários:


Como a demência reduz a capacidade da pessoa de filtrar estímulos para prestar atenção apenas naqueles que são importantes, o excesso de estímulos pode gerar muito estresse na pessoa vivendo com DA.

Os estímulos auditivos são especialmente importantes, então uma boa acústica é essencial. Ao menos no quarto, remova barulhos externos desagradáveis e reduza ao máximo o impacto do barulho de aparelhos como ar-condicionado e máquinas de lavar.


Estímulos visuais também precisam ser endereçados com a remoção de excesso de quadros e evitando cores de paredes muito contrastantes. Uma observação é de não colocar tapetes escuros em contraste com pisos claros, pois podem dar a impressão de ser um buraco, causando ansiedade.


Um ambiente seguro, calmo e previsível permite que a pessoa portadora de demência possa viver melhor.


 

5- Otimizar estímulos úteis:


Estímulos úteis podem permitir que a pessoa vivendo com demência veja, ouça ou cheire dicas sobre onde elas estão e onde elas podem ir, ajudando a minimizar a sua confusão e incertezas.


Dicas visuais podem incluir quadros com texto e imagens para indicar qual é o seu quarto e banheiro, um quadro de mensagem para se lembrar de tarefas, um relógio e/ou um grande calendário para dar referência de tempo. Outras dicas são o cheiro de comida sendo feita logo antes das refeições, uma grande janela para uma paisagem verde e uma música que lhe seja agradável.


 

6- Apoiar o movimento e engajamento:


Caminhadas e acesso a áreas externas seguras, como um quintal, podem trazer grandes benefícios à pessoa vivendo com demência e o design da moradia pode motivar essas atividades. Acesso fácil, caminhos bem definidos e jardins e hortas elevados são uma ótima maneira de estimular a saída para áreas externas seguras.


No entanto, é necessário haver um controle de saída para a rua, principalmente quando a pessoa estiver em uma fase intermediária da evolução da doença. Para isso, além de trancas e alarmes, uma ótima dica é tirar o foco do lado de fora ou até mesmo do portão, voltando a atenção para a área do próprio quintal.


Não podemos nos esquecer que o declínio da mobilidade é algo esperado no progresso da doença de Alzheimer, por isso é preciso realizar modificações que apoiem o movimento constantemente.


Imagem de uma calçada em meio a folhagens
Foto: Awesomecontent no Freepik
 

7- Criar um espaço familiar:


Uma casa e seus itens representam uma vida inteira de conquistas e experiências e podem ter um impacto muito positivo na qualidade de vida dessa pessoa. Assim, sempre que for realizar mudanças no lar de alguém vivendo com demência, é necessário tomar os devidos cuidados para não neutralizar esse impacto positivo.


Além disso, caso haja a necessidade de mudar para uma casa com mais acessibilidade ou caso seja decidido institucionalizar a pessoa portadora de demência, levar itens pessoais e fotografias é uma importante estratégia para enriquecer esse novo ambiente e trazer familiaridade.


 

8- Promover vínculos com a comunidade:


Poder viver na própria casa por maior tempo permite com que a pessoa portadora de demência mantenha vínculos sociais com sua comunidade, algo que é muito valorizado e parte essencial para a manutenção do seu senso de identidade. Permitir que essa pessoa possa acenar aos vizinhos ou recebê-los em casa dá uma maior sensação de conexão com a vizinhança.

 

Nas nossas últimas consideração, lembre-se de envolver ao máximo a pessoa portadora de demência nas decisões das modificações da moradia. Nem sempre será fácil ou até mesmo possível, mas lembremos que a pessoa vivendo com DA tem suas opiniões, emoções e ideias.


Um lar com um design adequado pode dar segurança, conforto e independência para uma pessoa portadora de DA, além de melhorar a qualidade do cuidado e a qualidade de vida do cuidador. O lar pode, assim, ter um significado ainda mais importante para a pessoa vivendo com demência.


Julia Trevisan

MSc em engenharia


Foto: Kari Shea no Unsplash


Referências Bibliográficas:

Alzheimer´s Disease International. World Alzheimer Report 2020. Design, Dignity, Dementia: Dementia-related design and the built environment. Volume 1, Londres, 2020

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