Você já ouviu falar em gerontecnologia? É a tecnologia desenhada para nos ajudar a envelhecer de maneira mais saudável e digna. Mas, além disso, a gerontecnologia nos ajuda a envelhecer em casa com cada vez mais independência, seja nos dando mais segurança, maior conectividade com nossos familiares ou um maior controle sobre a nossa saúde.
No Brasil, Sociedade Brasileira de Gerontecnologia já existe desde 2017 e os estudos nessa área tão interdisciplinar estão começando a aparecer com cada vez mais frequência em universidades e startups pelo país. Com esse crescimento de tecnologias disponíveis e o aumento na aceitação de uso, pesquisadores das escolas de medicina das universidades de Yale e Brown fizeram uma revisão do que há disponível na literatura sobre o tema, mais especificamente para cuidados de pessoas portadora de demência, detecção de queda e ambientes assistidos para aging in place (envelhecimento em casa).
A maioria dos estudos identificados nesse artigo foram feitos na Europa e têm como único foco pessoas idosas, sendo que apenas 1/3 também incluía as necessidades e efeitos também sobre cuidadores e familiares. A seguir, vou detalhar os achados dessa revisão da literatura (referência bibliográfica ao final dessa postagem).
Demência
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, 5% a 8% das pessoas maduras são portadoras de demência no mundo, o que equivale a aproximadamente 50 milhões de indivíduos. Essas pessoas enfrentam diversos desafios que poderiam ser endereçados com tecnologia, como solidão, agitação e comportamento de fuga, além dos possíveis benefícios no trabalho com o declínio cognitivo, atividades de vida diária (AVD) e apoio aos seus cuidadores.
O artigo identificou que, em sua maioria, pessoas portadoras de demência têm uma boa aceitação do uso de tecnologias. As tecnologias mais estudadas com aplicação para esse público são realidade virtual, robôs de companhia, sistema de monitoramento, câmeras vestíveis e aplicativos. Muitos desses estudos mostraram benefícios nas funções cognitivas, psicológicas e motoras dos pacientes e que as pessoas portadoras de demência mostraram uma maior tendência em aceitar o uso dessas tecnologias do que o grupo de controle (pessoas que não são portadoras de demência). Ainda assim, algumas barreiras foram encontradas para o seu uso, como falta de experiência no uso de tecnologia, falta de vontade de ser auxiliado por tecnologia e dificuldade em aprender como usá-la, além da preocupação com a sua privacidade.
Detecção de Queda
Sabemos que, no mundo todo, 30% da população idosa irá cair pelo menos uma vez ao ano (dados da OMS, que já discutimos nesse post) e que quedas são a maior causa fatal e não fatal de lesões em pessoas com mais de 64 anos, o que tem um impacto significativo na vida das pessoas, como também nos custos da saúde pública. Nesse contexto, dispositivos que detectam queda de maneira passiva e alertam contatos de emergência são importantes, pois as lesões, a falta de companhia e a fragilidade podem fazer com que o pedido de ajuda de maneira ativa seja muito difícil.
Historicamente, pesquisas nesse sentido focam no refinamento da acurácia desses dispositivos, além de desenvolver o perfil desses indivíduos que caem. Nesse artigo, foi identificado que a maioria dos idosos preferem os dispositivos vestíveis (wearables, como relógios e pingentes) a dispositivos ambientais (que ficam instalados na parede e fazem o monitoramento via radiofrequência ou infravermelho, por exemplo). Os dispositivos examinados tinham uma boa sensibilidade e especificidade para detectar quedas, mas havia preocupações dos idosos quanto a falsos positivos e tempo de bateria. Alguns acharam que esses dispositivos vestíveis eram motivo de vergonha, enquanto outros acreditavam que estes lhe davam mais independência.
Ambientes Assistidos
Com o envelhecimento populacional, a escassez de cuidadores de idosos já é uma realidade em muitos países e está cada vez mais próxima do nosso país. Esse fato somado à frequente vontade do idoso em permanecer em casa (leia mais sobre o tema nesse post) e ao peso que essa decisão traz aos cuidadores informais/familiares traz à tona a necessidade de desenvolvimento de tecnologias para ambientes assistidos em casa.
Tecnologias para ambientes assistidos incluem dispositivos inteligentes (leia mais sobre o tema nesse post), redes sem fio e sensores médicos, que podem simplificar e melhorar a segurança do idosos ao dar assistência tecnológica nas atividades diárias e monitoramento da saúde e do lar. Estudos voltados nesse tema focam em sistemas de monitoramento, dispositivos vestíveis, aplicativos de atividades físicas gamificados, robôs de companhia e calendários digitais. Esses dispositivos melhoraram a memória, aumentaram o nível de atividade física e qualidade de vida, melhoraram a sensação de segurança e a função das atividades de vida diária.
Apesar dessas tecnologias serem bem aceitas pelos idosos, foram os cuidadores que perceberam um maior impacto em suas rotinas, já que aumentaram a sensação de controle sobre as pessoas cuidadas, reduzindo o peso do cuidado. No entanto, alguns idosos não acreditavam que essas tecnologias eram realmente necessárias e não gostavam do fato de estarem sendo monitorados.
Mesmo com o custo de implementação dessas tecnologias de ambientes assistidos, duas pesquisas avaliadas nesse estudo identificaram um ganho financeiro na redução do uso de serviços médicos e um adiamento na necessidade de institucionalização do idoso.
Conclusão
O uso das tecnologias nas aplicações discutidas nessa pesquisa é bastante aceito por pacientes e seus cuidadores, com benefícios que incluem a melhoria das funções cognitivas e psicossociais das pessoas portadoras de demência, além de dar uma sensação maior de segurança para seus cuidadores. Além disso, quando aceitas por pessoas mais velhas, dispositivos de ambientes assistidos têm o potencial de reduzir a necessidade de institucionalização do idoso, além de empoderar o indivíduo a permanecer em suas comunidades e viver com independência por mais tempo.
Ainda assim, existem algumas preocupações com o uso dessas novas tecnologias, como privacidade e a sensação de intrusão dos dispositivos de monitoramento. Outro ponto seria os custos iniciais para implementação dessas tecnologias, apesar de estudos mostrarem que exista uma economia com institucionalização e cuidado.
Existe muito ainda a se estudar e desenvolver nessa área, principalmente no Brasil. No entanto, essa pesquisa mostra que estamos no caminho certo, com o aproveitamento de novas tecnologias para nos ajudar a envelhecer de maneira saudável, em casa e com uma maior qualidade de cuidado.
Julia Trevisan
Msc em Engenharia
Foto: prostooleh no Freepik
Referências Bilbiográficas:
GETTEL, C.J.; CHEN, K.; GOLDBERG, E.M. Dementia Care, Fall Detection, and Ambient-Assisted Living Technologies Help Older Adults Age in Place: A Scoping Review. Journal of Applied Gerontology, v. online, p. 1–10, 2021
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